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Alfred Marshall e o equilíbrio parcial em um mercado competitivo | by Cleber Veiga | Análise Normativa | Medium

Alfred Marshall e o equilíbrio parcial em um mercado competitivo

Cleber Veiga
Análise Normativa
Published in
6 min readJun 25, 2019

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Até agora, não havia feito nenhuma postagem falando sobre algum economista em particular, resolvi fazer isso agora, no entanto, fugindo do óbvio.

Eu poderia escolher Adam Smith, ele é o pai da economia, ou David Ricardo, discípulo e sucessor de Smith, talvez alguém que já ganhou a cultura popular, como Malthus, ou alguém com uma história bem maluca, como Bentham. Ou quem sabe os mais atuais, e superpopulares Keynes ou Hayek.

Mas escolhi Alfred Marshall, primeiro para fugir do óbvio, ele é praticamente desconhecido de quem não tem contato com a economia, depois porque ele é extremamente importante para o desenvolvimento da ciência econômica, e também por tudo que ele fez pela microeconomia, minha área preferida.

Alfred Marshall nasceu em Londres, em 1842, filho de um bancário, de família protestante. Entrou em Cambridge em 1862, para estudar matemática, mas os interesses de Marshall eram extremamente variados, ele acabou deixando a matemática de lado para estudar filosofia moral, ética e acabou indo parar na economia, no final da década de 1860.

A grande sacada de Marshall foi que ele pegou ideias de vários economistas que vieram antes dele, uniu essas teorias e fez com que elas fizessem sentido como um todo. A grande obra de Marshall, “Principles of economics”, de 1890, acabou se tornando por muitos anos uma espécie de manual introdutório das ciências econômicas, em parte porque ele utilizava uma linguagem simples e acessível, embora tenha todo um arcabouço matemático, que acabou ficando para os apêndices da obra.

A primeira contribuição foi referente à discussão do valor. Adam Smith postulava que o valor de um determinado bem estava no trabalho. Explicando de maneira bem simples: Suponha que você é o operário de uma fábrica de lápis, e receba 10 dólares por hora pelo seu trabalho, e você consegue fazer 5 lápis por hora. Logo, o valor de um lápis é de 2 dólares. David Ricardo melhorou um pouco essa proposição, e inseriu no cálculo o valor das máquinas e equipamentos, mas a ideia era que o valor de um bem era dado pelo seu custo de produção, ou seja, pela oferta.

A concepção de valor-trabalho de Ricardo serviu de base para Marx elaborar suas ideias sobre mais-valia, simplificando: Se o valor é gerado pelo trabalhador, o lucro do empresário é apropriação indevida, ou “se a classe trabalhadora tudo produz, a ela tudo pertence”.

Do outro lado, haviam os utilitaristas, o primeiro foi Bentham, mas foi seguido por Say, Jevons e Menger. Esses caras diziam que o valor na verdade estava na utilidade de um bem. Em termos simples, você pode ficar três horas cavando um buraco, e depois tentar me vender por 30 dólares, pois é o valor do seu trabalho, mas pra que eu vou querer um buraco? Se não tem utilidade pra mim, não vale nada. Ou seja, o valor é definido pelo consumidor, pela demanda.

Marshall acabou unindo essas duas ideias, se por um lado, não vale a pena para um empresário produzir um bem com valor acima dos seus custos de produção, por outro, não faz sentido para um consumidor comprar algo que não tem utilidade para ele.

Marshall utilizou a metáfora da tesoura, você não consegue cortar uma folha de papel só com uma ponta da tesoura, assim como você precisa do produtor, com a oferta, tentando maximizar seu lucro, e do consumidor, com a demanda, em busca da máxima utilidade.

Dessa forma, surgiu o gráfico que você pode conferir na imagem abaixo.

O eixo x é a quantidade de um bem ofertada em um mercado, o eixo y é o preço. A curva S’ é a oferta do produtor, quanto maior o preço, maior a quantidade de bens ofertada, por isso a curva é ascendente. A curva D’ é a demanda do consumidor, quanto maior o preço, menor a quantidade de bens procurada, por isso a curva é descendente. O ponto A é o ponto de equilíbrio, onde a vontade do consumidor e do produtor se encontram.

O quadrado formado pelos pontos F, A, O e H é a receita total do mercado (quantidade x preço), como a curva S’ é o custo do produtor, fica fácil deduzir que o triângulo formado por F, A e S é o lucro, ou excedente do produtor, já o triângulo D, A e S é o excedente do consumidor, ou seja, o quanto o consumidor maximizou a utilidade.

Esse modelo ficou conhecido como modelo de equilíbrio parcial, isso porque ele simula a situação de um mercado competitivo de apenas um produto, ignorando eventuais substitutos ou qualquer outro efeito exterior.

Apenas com as informações desse gráfico é possível se fazer uma quantidade enorme de análises: Quanto minha empresa deve produzir? A que preço? Como os consumidores irão reagir a um aumento de preço? Devo continuar nesse mercado? Paralisar as atividades? Ou sair definitivamente?

Marshall também criou o conceito de elasticidade, já temos um artigo por aqui sobre o assunto.

Outra contribuição de Marshall foi com relação ao tempo, ele criou quatro escalas de tempo:

  • Tempo de mercado: Quando a oferta não pode ser alterada e o preço é determinado pela demanda (lembrando que estamos falando de um mercado competitivo);
  • Curto prazo: A oferta pode ser alterada com diferentes combinações entre custos fixos e variáveis (demitir trabalhadores, contratar, parar uma máquina ou até paralisar as atividades);
  • Longo prazo: Tanto oferta como demanda podem ser alteradas (A demanda pode ser alterada através de mudanças de hábitos, ciclo de vida de produtos, moda, etc. A oferta através de ampliações de capacidade produtiva, entrada ou saída de empresas do mercado, etc.);
  • Tempo secular: São mudanças que ocorrem entre gerações, nos hábitos, costumes, através da ampliação de conhecimentos, adoção de novas tecnologias. Vale ressaltar que no século XIX as coisas mudavam muito mais lentamente que hoje, o “tempo secular” de hoje é de menos de uma década.

Em um mercado competitivo, as empresas tendem a ter lucro zero, também conhecido como lucro normal, ou seja, o retorno de investimento mais uma taxa de administração. Caso uma empresa desenvolva uma nova tecnologia, metodologia ou encontre uma maneira de reduzir seus custos, pode entrar numa situação de lucro puro ou anormal, mas isso geralmente só acontece até que outras empresas desenvolvam uma resposta de mercado, ou seja, no longo prazo, todos tendem ao lucro zero.

Finalmente, Marshall trabalhou na Teoria da Distribuição, isto é, como as receitas das empresas são distribuídas entre os agentes econômicos.

Na verdade, a Teoria da Distribuição de Marshall era a mesma dos marginalistas, basicamente, os trabalhadores eram remunerados pelo esforço e “desutilidade” do trabalho através do salário, os proprietários recebiam a renda vinda dos aluguéis de imóveis ou terra, e os empresários, ficavam com o lucro do capital investido.

Dessa forma, ficava afastada a teoria da mais-valia de Marx, pois todos os agentes recebem o retorno de acordo com os seus esforços.

Vale lembrar que o trabalho era remunerado de acordo com a produtividade, e o salário, definido de acordo com as forças de oferta e demanda, ou seja, assim como existe um mercado de trigo, ou de sapatos, ou de livros, onde empresas vendem e pessoas compram, existe também um mercado de trabalho, onde operários vendem seu trabalho e empresários compram.

Embora o conceito de mercado competitivo seja difícil de ser visualizado na prática, o entendimento desse modelo ajuda em muito a se conhecer as forças de mercado, a integração desses vários conceitos por Marshall representou uma verdadeira revolução na ciência econômica, embora alguma coisa tenha sido refutada, e alguns conceitos sejam discutíveis, muita coisa ainda é perfeitamente aplicável mais de cem anos depois da publicação de “principles”, sem dúvidas, Marshall é um dos grandes nomes da economia de todos os tempos.

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Cleber Veiga
Análise Normativa

Administrador, Especialista em Inteligência Financeira, estudante de economia, músico (wannabe) e mestre de RPG nas horas vagas.