A segunda geração
de japoneses no Brasil é dividida em dois grupos. O primeiro é formado
pelos filhos mais velhos dos imigrantes, aqueles que viveram a tensão da
II Guerra Mundial e trabalharam pesado ao lado dos pais � no campo e, depois,
nos pequenos comércios na cidade. O segundo grupo é composto dos
filhos mais jovens, que, por ser ainda pequenos no período da guerra, acabaram
poupados da maior parte do sofrimento e, ao contrário dos primogênitos,
puderam completar os estudos. A história deles é semelhante à
dos japoneses de terceira geração.
Os
filhos mais velhos padeceram as conseqüências de um antiniponismo que
vinha sendo gestado antes mesmo de o Kasato Maru aportar em Santos. No
começo do século XX, grupos formados, entre outros setores, por
representantes das oligarquias agrícolas do Norte e Nordeste acreditavam
que era preciso "branquear o Brasil" para torná-lo um país
desenvolvido � e a vinda dos japoneses estava na contramão desse projeto.
"Além disso, os japoneses eram vistos como um povo de vocação
expansionista, o que inspirava cuidados", diz o historiador Rogério
Dezem. Essas ressalvas ideológicas acabaram ficando em segundo plano, a
princípio, em função do imperativo econômico: os cafezais
paulistas precisavam de mão-de-obra. Mas quando
Getúlio Vargas implantou sua política nacionalista, durante o Estado
Novo (1937-1945), o antiniponismo saiu do discurso e foi colocado em prática:
em 1938, o governo ordenou o fechamento dos nihon-gakus � as escolas
onde os filhos de imigrantes aprendiam não só a ler e escrever em
japonês, mas a ser e agir como japoneses. Em 1941, foi a vez de os jornais
da comunidade serem fechados e, no ano seguinte, por causa da guerra, a embaixada
japonesa cerrou as portas. Em 1942, o Brasil entrou oficialmente no conflito �
tendo o Japão do outro lado do front. Famílias japonesas que moravam
em áreas consideradas de segurança nacional, como a cidade de Santos
ou bairros da região central de São Paulo, como a Liberdade, foram
obrigadas a deixar suas casas às pressas e mudar-se para o interior do
estado. A interiorização dos imigrantes fazia parte da chamada "geopolítica
do controle".
Mesmo
com o fim da guerra e da ditadura varguista, a situação não
se acalmou. A própria comunidade japonesa se dividiu: de um lado, ficaram
os que aceitavam a derrota do Japão (os makegumi, ou derrotistas);
de outro, os que acreditavam que a rendição do arquipélago,
anunciada nas rádios, não passava de propaganda americana (os kachigumi,
ou vitoristas). O ceticismo de alguns em relação à derrota
do Japão não era de todo irracional. Afinal, em 2.600
anos de história, o país nunca havia perdido uma guerra e estava
em vantagem naquele conflito até 1941 � exatamente o ano em que os
jornais japoneses foram fechados. As publicações brasileiras, que
a maioria dos imigrantes e descendentes de segunda geração não
lia, não eram consideradas confiáveis. O Brasil não estava
do lado inimigo? E quem já ouvira falar em bomba atômica? Tudo parecia
uma grande invenção. Os vitoristas chegaram a fundar uma organização
na-cionalista com o objetivo de juntar dinheiro para propagandear o "espírito
de invencibilidade" japonês. A Shindo Renmei, ou Liga do Caminho dos
Súditos, chegou a ter 30.000 sócios registrados.
Um braço radical dessa instituição foi responsável
por um dos episódios mais trágicos da história da imigração
japonesa no Brasil. Entre os anos de 1946 e 1947, por considerarem que os derrotistas
eram traidores da pátria, extremistas da Shindo Renmei mataram 23 pessoas
e feriram 147. Ainda em 1946, quase 400 deles foram condenados à prisão.
A vida aos poucos foi voltando ao normal, mas, a essa altura, os parentes dos
imigrantes japoneses que viviam no Japão já haviam mandado cartas
para o Brasil, relatando a situação difícil em que se encontrava
o país no pós-guerra. Para a maioria quase absoluta das famílias
que aqui estavam, era o fim do sonho de retornar ao Japão. Os imigrantes
se convenceram, então, da necessidade de preparar os filhos � ao menos
os caçulas � para ascender na sociedade brasileira. Para isso, mudaram
de cenário � foram do campo para a cidade. É no ambiente urbano
que começa a história da terceira geração.
Quem são:
filhos dos imigrantes japoneses
Quantos são: 31% da comunidade nipo-brasileira
Miscigenados*:
6%
Faixa etária:
entre 15 e 80 anos
Profissões
mais comuns: agricultores, comerciantes e prestadores de serviço, no
caso dos mais velhos; técnicos e profissionais liberais das áreas
de exatas e biológicas, no caso dos mais jovens
* Têm pelo menos um ascendente não japonês
Fonte:
"Pesquisa da população de descendentes de japoneses residentes
no Brasil" (1988), Célia Oi, historiadora