Barbelo
O termo gnóstico Barbēlō (Grego Βαρβηλώ) refere-se à primeira emanação de Deus nas diversas formas da cosmogonia gnóstica setiana. Barbēlō é frequentemente mostrada como um princípio feminino supremo, o único antecessor passivo da diversidade da Criação. Essa figura é também referenciada como "Mãe-Pai" (adivinhando sua aparente androginia), 'Primeiro Ser Humano', 'O Triplo Nome Andrógino' ou 'Eterno Aeon'. O seu lugar era tão proeminente entre alguns gnósticos que algumas escolas eram denominadas como barbeliota, adoradores de Barbēlō ou Barbēlō-gnósticos (veja Borboritas).[1]
A natureza de Barbēlō
[editar | editar código-fonte]Em textos coptas
[editar | editar código-fonte]No Apócrifo de João, um tratado na Biblioteca de Nag Hammadi contendo a mais extensa versão do mito de criação setiano, Barbēlō é descrita como "O primeiro poder, a glória, Barbēlō, a glória perfeita nos aeons, a glória do apocalipse."[2]. Todos os atos seguintes de criação dentro da esfera divina (salvo, crucialmente, aqueles do mais baixo aeon, Sophia), ocorrem através de sua ação conjunta com Deus. O texto a descreve assim:
“ | Este é o primeiro pensamento, imagem dele; ela se tornou o útero de tudo, pois é ela que precede a eles todos, a Mãe-Pai, o primeiro homem (Anthropos), o Espírito Santo, o três-vezes masculino, o três-vezes poderoso, o triplamente nomeado uno andrógino e o eterno aeon dentre os invisíveis e o primeiro a se apresentar | ” |
Em Pistis Sophia, Barbēlō é chamada frequentemente, mas seu lugar não está claramente definido. Ela é um dos deuses, "um grande poder do Deus Invisível" (373), junto com Ele e as três "Triplamente poderosas divindades" (379), a mão de Pistis Sophia (361) e dos outros seres (49); dela Jesus recebeu Sua "vestimenta de luz" ou corpo celeste (13, 128; cf. 116, 121); a terra é aparentemente a "matéria de Barbēlō" (128) ou o "lugar de Barbēlō" (373)[3].
Em textos da Era patrística
[editar | editar código-fonte]Ela é descrita obscuramente por Ireneu de Lyon como um "aeon que nunca envelhece e existe num espírito virginal"[4], a quem, de acordo com certos "Gnostici", o Pai inominável desejou se manifestar a ela, e que, quando quatro sucessivos seres - cujos nomes expressam pensamento e vida - emergiram Dele, foi preenchida de alegria pela visão, e por si mesma, deu à luz três (ou quatro) outros seres similares[4].
Ela aparece ainda em passagens vizinhas de Epifânio de Salamis, que em parte deve ter seguido o Compêndio de Hipólito como é demonstrado pela comparação com Philaster (c. 33), mas também por seu conhecimento pessoal das seitas Ofitas especialmente chamadas de "Gnostici" (i. 100 f.). A primeira passagem é num artigo sobre os nicolaítas (i. 77 f.), aparentemente uma referência profética aos seus supostos descendentes, os "Gnostici" (77 A.Philast.). De acordo com a visão deles, Barbēlō vive "acima no oitavo céu;" ela foi 'emanada' (προβεβλῆ
Outros, Epifânio de Salamis parece dizer (78 f.), contam uma história similar de Sophia, substituindo Caulacau por Yaldabaoth. Em seu artigo seguinte, no "Gnostici" (83 C D), a ideia de juntar novamente os poderes dispersados de Barbēlō, "a Mãe acima", roubado dela pelo "o Arcontes que fez o mundo e os outros deuses e anjos e demônios que estavam com ele", repete-se como foi colocada no apócrifo 'O Pensamento de Norea', a lendária esposa de Noé. Em ambos, Epifânio representa a doutrina como dando origem ao consumo ritual de fluidos sexuais.
Numa terceira passagem (91 f.), enumerando que Arcontes tem tronos em qual céu, ele menciona como habitantes de um oitavo - e superior - céu "ela que é chamada Barbēlō" e o auto-engendrado Pai e Senhor de todas as coisas, e o 'nascido da virgem' (
Teodoreto (H. F. f. 13) simplesmente parafraseia Ireneu, com algumas poucas palavras de Epifânio de Salamis. Jerônimo inclui diversas vezes o nome Barbēlō em listas de nomes prodigiosos (no mau sentido) que aparecem na heresia espanhola, ou seja, dentre os Priscilianistas; Balsamus e Leusibora aparecendo três vezes associado com ele. (Ep. 75 c. 3, p. 453 c. Vall.; c. Vigil. p. 393 A; in Esai. lxvi. 4 p. 361 c; in Amos iii. 9 p. 257 E).
Importância
[editar | editar código-fonte]Em narrativas gnósticas sobre Deus, as noções de impenetrabilidade, stasis (do grego Greek στάσις "imóvel, ausência de forças externas") e infalibilidade são de central importância. A emanação de Barbēlō pode ser entendida como sendo um aspecto gerador intermediário do Divino, ou como uma abstração do aspecto gerador do Divino através da sua Plenitude (Pleroma). O mais transcendente Espírito invisível oculto não aparece ativamente participando da criação. Este significado é refletido tanto na aparente androginia (reforçada por vários dos seus epítetos) quanto no nome Barbēlō.
Diversas etimologias plausíveis para o nome (em grego: Βαρβηλώ, Βαρβηρώ, Βαρβηλ, Βαρβηλώθ) foram propostas. Pode ser uma construção ad hoc do copta significando tanto 'Grande Emissão'[6] quanto 'Semente' [7]. William Wigan Harvey (escrevendo sobre Ireneu) e Richard Adelbert Lipsius[8] propuseram anteriormente Barba-Elo, 'A Divindade em Quatro', com referências à tétrade que, pelos reportes de Ireneu, procederam dela. Entretanto, a relação de Barbēlō a esta tétrade não é análoga ao Chol-Arba de Marcus (discípulo de Valentim). A tétrade compõe o grupo mais antigo da sua progenia e é mencionada apenas uma vez.
A raiz balbel muito usada nos Targums (Buxtorf, Lex, Rabb. 309), em hebreu bíblico balal, significando mistura ou confusão, indicando uma derivação melhor para Barbēlō como sendo a semente caótica de várias e distintas existências: a troca de ל para ר não é incomum e pode ser vista na forma alternativa em grego: Βαρβηρώ.
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ "Gnosticism" na edição de 1913 da Enciclopédia Católica (em inglês). Em domínio público.
- ↑ a b Robinson, James M. (1990). The Nag Hammadi Library, revised edition. The Apocryphon of John (Trad. por Frederik Wisse) (em inglês). São Francisco: Harper Collins
- ↑ Mead, G.R.S. (1921). Pistis Sophia (em inglês). [S.l.: s.n.]
- ↑ a b c Ireneu. Adversus Haereses (em inglês). I.29. [S.l.: s.n.]
- ↑ http://bibref.hebtools.com/?book=Genesis%20&verse=3:20&src=! no original em inglês
- ↑ Layton, Bentley. The Gnostic Scriptures (em inglês). [S.l.: s.n.]
- ↑ Burkitt, F.C. Church and Gnosis (em inglês). [S.l.: s.n.]
- ↑ Gnosticismus, p. 115; Ophit. Syst p. 445. Hilgenfeld (1863). Zeitschrift (em alemão). [S.l.: s.n.]
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Daniélou, Alain (1984). Shiva and Dionysos: The Religion of Nature and Eros (em inglês). [S.l.]: Inner Traditions. ISBN 0892810572
- Free Encyclopedia of Thelema. Barbelo. Recuperado em 5 de março de 2005.
- Hoeller, Stephan A. (1989). Jung and the Lost Gospels (em inglês). [S.l.]: Quest Books. ISBN 0835606465
- Jonas, Hans (2001). The Gnostic Religion (em inglês) 3rd edition ed. [S.l.]: Beacon Press. ISBN 0807058017
- Layton, Bentley (1987). The Gnostic Scriptures (em inglês). [S.l.]: SCM Press. ISBN 0334020220
- The Nag Hammadi Library. The Apocryphon of John Recuperado em 21 de outubro de 2004.
- Rudolph, Kurt (1987). Gnosis: The Nature & History of Gnosticism (em inglês). [S.l.]: Harper & Row. ISBN 0060670185
- Williams, Frank (1987). The Panarion of Epiphanius of Salamis (em inglês). 2. Leiden; New York; København; Köln: E.J. Brill
- Woodroffe, Sir John (1929). Shakti and Shakta (em inglês). [S.l.]: Ganesh & Co.
- Este artigo se utilizou de textos de A Dictionary of Christian Biography, Literature, Sects and Doctrines por William Smith and Henry Wace.
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- Dark Mirrors of Heaven: Gnostic Cosmogony (em inglês)