Yuri (gênero)

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Ilustração de duas garotas se abraçando.
Um exemplo de arte inspirada em yuri. Obras que retratam relações íntimas entre colegas de escola são comuns no gênero yuri

Yuri (ひゃくごう? lit. "lírio") também conhecido pelo wasei-eigo Girls' Love (ガールズラブ gāruzu rabu?) é um gênero de mídias japonesas focado em relações íntimas entre personagens femininas. Por mais que o lesbianismo é geralmente associado ao tema, o gênero também inclui obras retratando relações emocionais e espirituais entre mulheres que não são necessariamente de natureza romântica ou sexual. Yuri é comumente associado com anime e mangá, porém o termo também é usado para descrever jogos eletrônicos, light novels e literatura em geral.

Temas associados com yuri originam da ficção lésbica japonesa do início do século XX, notavelmente os escritos de Nobuko Yoshiya e a literatura do gênero Classe S. Mangás retratandohomoerotismo feminino começou a aparecer na década de 1970 em obras de artistas associados ao Grupo do Ano 24 [en], notavelmente Ryoko Yamagishi e Riyoko Ikeda. O gênero começou a ganhar popularidade iniciando nos anos de 1990; a fundação de Yuri Shimai em 2003 como a primeira revista de mangá voltada justamente a yuri, seguido pela sua sucessora Comic Yuri Hime em 2005, levou ao estabelecimento de yuri como um gênero editorial discreto e à criação de uma cultura de fãs de yuri.

Como um gênero, yuri não tem inerentemente um público alvo em específico, diferente de suas contrapartes homoeróticas masculinas yaoi (voltado ao público feminino) e mangá gay (voltado ao público masculino). Por mais que yuri tenha se originado como um gênero visando o público feminino, obras de yuri tem sido produzidas tendo em vista o público masculino, como na revista irmã da Comic Yuri Hime direcionado ao público masculino, Comic Yuri Hime S.

Terminologia e etimologia[editar | editar código-fonte]

Yuri[editar | editar código-fonte]

consulte a legenda
Um lírio-japonês, o símbolo do gênero yuri

A palavra yuri (ひゃくごう?) traduz para literalmente "lírio" e é um nome japonês relativamente comum.[1] Lírios-japoneses são usados desde o romantismo da literatura japonesa para simbolizar beleza e pureza feminina, e são na prática um símbolo do gênero yuri.[2]

Em 1976, Ito Bungaku, editor de uma revista de homens gays Barazoku (薔薇ばらぞく? lit. "Tribo da Rosa"), utilizou o termo yurizoku (ひゃくごうぞく? lit. "tribo do lírio") em referência às leitoras da revista numa coluna de cartas intituladas Yurizoku no Heya (ひゃくごうぞく部屋へや? lit. "Sala da Tribo do Lírio").[3][4] Apesar de nem todas as mulheres cujas cartas apareceram nesta coluna fossem lésbicas, e não esteja claro se a coluna foi a primeira instância do termo yuri nesse contexto, uma associação de yuri com lesbianismo se desenvolveu posteriormente.[5] Por exemplo, revista de romance entre homens Allan começou a publicar o Yuri Tsūshin (ひゃくごう通信つうしん? lit. "Comunicação do Lírio") em julho de 1983 como um coluna de anúncios pessoais para lésbicas se comunicarem.[6]

O termo passou a ser associado a mangás pornográficos lésbicos a partir da década de 1990, especialmente através da revista de mangá Lady's Comic Misuto (1996–1999), que apresentava fortemente flores de lírio como símbolo.[6] Quando o termo yuri começou a ser usado no Ocidente na década de 1990, foi usado quase exclusivamente para descrever mangás pornográficos voltados para leitores masculinos que apresentavam casais lésbicos.[4] Com o tempo, o termo se desvinculou dessa conotação pornográfica para descrever a representação de amor íntimo, sexo ou conexões emocionais entre mulheres,[7] e passou a ser amplamente reconhecido como um nome de gênero para obras que retratam intimidade entre mulheres a partir de meados dos anos 2000, após a fundação das revistas de mangá yuri especializadas Yuri Shimai e Comic Yuri hime.[6] O uso ocidental de yuri posteriormente se ampliou a partir dos anos 2000, adotando conotações do uso japonês.[7]

Na Coreia e na China, "lírio" é usado como um empréstimo semântico do uso japonês para descrever mídias de romance entre personagens femininas, onde cada um dos países utiliza uma tradução direta do termo — baekhap (백합) na Coréia e bǎihé (ひゃくごう) na China.[8]

Girls' love[editar | editar código-fonte]

O wasei-eigo "girls' love" (ガールズラブ gāruzu rabu?) e sua abreviação "GL" foram adotados pelas editoras japonesas na década de 2000, provavelmente como um antônimo do gênero de romance entre homens boys' love (BL).[4][9] Enquanto o termo e geralmente considerado sinônimo de yuri, em raros casos é usado para denotar mídias que são sexualmente explícitas, seguindo a publicação de antologia de mangá erótico yuri Girls Love pela Ichijinsha em 2011. Porém, esta distinção é infrequentemente feita, e yuri e girls' love são quase que sempre usadas intercambiavelmente.[10]

Shōjo-ai[editar | editar código-fonte]

Nos anos de 1990, fãs ocidentais começaram a utilizar o termo shōjo-ai (少女しょうじょあい? lit. "amor de menina") para descrever obras de yuri que não tinham sexo explicito. seu uso foi modelado após a apropriação ocidental do termo shōnen-ai (少年しょうねんあい? lit. "boy love") para descrever obas de yaoi sem conteúdo sexualmente explícito.[4] No japão, o termo Shōjo-ai não é utilizado com este sentido,[4] em vez disso, denota relacionamentos pedófilos entre homens adultos e meninas.[11][12]

Características[editar | editar código-fonte]

Mangás e animes do gênero yuri apresentam personagens femininas e sexualmente dominantes, ao contrário do estereótipo da mulher frágil. Muitas histórias descrevem a relação entre uma mulher mais velha (às vezes com algumas características masculinas) e uma mais nova, mais submissa e insegura. Geralmente as personagens não tem uma orientação sexual definida, ou são bissexuais, e é possível que sejam atraídas apenas por uma mulher em especial.

Elementos de yuri e shoujo-ai podem aparecer em produções para qualquer público-alvo, incluindo cenas eróticas para o público masculino e histórias românticas para o feminino. Esses elementos podem tanto aparecer em séries infantis ou adultas.

Alguns jogos de computador criados no Japão buscam inspiração no yuri. Estes podem variar imensamente, indo de histórias de amor dentro de um contexto a jogos pornográficos.

Conceitos e temas[editar | editar código-fonte]

Intimidade entre mulheres[editar | editar código-fonte]

Yuri como gênero retrata relacionamentos íntimos entre mulheres, um escopo que é amplamente definido para incluir amor romântico, amizades intensas, amor espiritual e rivalidade.[13] Embora o lesbianismo seja um tema comumente associado ao yuri, nem todas as personagens na mídia yuri são necessariamente não-heterossexuais; Welker afirma que a questão de se os personagens yuri são lésbicas é uma "questão muito complicada".[14] Personagens em obras yuri frequentemente não definem sua orientação sexual em termos explícitos, e a questão é deixada para a interpretação do leitor.[15]

Rica Takashima observa que fãs ocidentais e japoneses frequentemente têm expectativas diferentes em relação ao nível de intimidade retratado no yuri, o que ela atribui às diferenças culturais entre os grupos.[16] Ela observa que obras de yuri que gozam de popularidade internacional tendem a ser explícitas e focadas em "garotas fofas se beijando", enquanto os fãs japoneses "têm uma propensão para ler entre as linhas, captar sugestões sutis e usar suas próprias imaginações para tecer ricos tapetes de significado a partir de pequenos fios".[16]

Falta de exclusividade de gênero e demográfica[editar | editar código-fonte]

Embora yuri tenha sido historica e tematicamente ligado ao mangá shōjo desde o seu surgimento na década de 1970, obras de yuri são publicadas em todos os grupos demográficos para mangá — não apenas shōjo (meninas), mas também josei (mulheres adultas), shōnen (meninos) e seinen (homens adultos). As obras de yuri shōjo tendem a focar em narrativas fantasiosas e inspiradas em contos de fadas que idolatram personagens "príncipes garotas" inspirados no Takarazuka Revue, enquanto obras de yuri para o público josei tendem a retratar casais de mulheres com um grau maior de realismo. Mangás shōnen e seinen, por outro lado, tendem a usar o yuri para retratar relacionamentos entre "garotas inocentes da escola" e "lésbicas predatórias". Revistas de mangá dedicadas exclusivamente ao yuri tendem a não se restringir a um público demográfico específico, e assim são inclusivas de conteúdo que varia de romances escolares a conteúdo explicitamente sexual.[17]

Frequêntemente, obras que são percebidas e categorizadas como yuri no Japão não são consideradas como tal pelo público internacional. Por exemplo, enquanto no Ocidente Sailor Moon é considerado uma série de mahō shōjo com alguns elementos yuri, no Japão a série é considerada por revistas yuri como uma "obra monumental" do gênero.[18] O exemplo de Sailor Moon ilustra ainda mais como os fãs, em vez de editores ou criadores, frequentemente determinam se uma obra é yuri; Sailor Moon não foi concebida como um mangá ou anime yuri, mas "se tornou yuri"[19] com base na interpretação e consumo da obra pelos fãs de yuri.[20][17]

Conteúdo sexual nominal[editar | editar código-fonte]

Obras de yuri geralmente não retratam cenas de sexo explícito. Ao contrário do yaoi, onde representações explícitas de atos sexuais são comuns e as histórias culminam geralmente com o casal central se envolvendo sexo anal, os atos sexuais em yuri raramente são mais explícitos do que beijos e carícias nos seios.[21] Kazumi Nagaike da Universidade de Oita argumenta que essa evitação geral de sexo "não significa que o desejo sexual feminino seja apagado" em yuri, mas sim que a ausência de sexo "claramente deriva da importância atribuída ao vínculo espiritual entre mulheres".[21]

A garota séria e a ingênua[editar | editar código-fonte]

A maioria das histórias de yuri publicadas nas décadas de 1970 e 1980 eram tragédias, focadas em relacionamentos condenados que terminavam em separação ou morte.[22] Yukari Fujimoto, uma estudiosa de mangá da Universidade de Meiji, observa que o enredo trágico de Shiroi Heya no Futari se tornou um arquétipo comum de história de yuri. Essas histórias retratam uma personagem fisicamente menor, com cabelos mais claros e uma personalidade ingênua, que admira uma garota que é geralmente mais alta, com cabelos escuros longos e uma postura séria.[22] As personagens se unem por uma infelicidade comum, geralmente originada de suas respectivas vidas domésticas.[23] O seu vínculo se torna objeto de rumores ou até mesmo chantagem, mesmo quando elas reconhecem que seu relacionamento se tornou romântico. A história termina com a personagem séria morrendo para proteger a ingênua de um escândalo.[22] Enquanto as fórmulas de histórias trágicas em yuri declinaram em popularidade na década de 1990, estes arquétipos continuam a influenciar histórias de yuri contemporâneas, especialmente aquelas que retratam relacionamentos de senpai e kōhai, como Bloom Into You.[23]

Tachi e neko[editar | editar código-fonte]

Na cultura lésbica japonesa, os participantes de um relacionamento lésbico são ocasionalmente referidos como tachi (タチ? derivado de tachiyaku, o papel masculino no kabuki), que designa o participante ativo, e neko (ネコ? lit. "gato"), que designa o participante passivo.[24] Essa distinção é comparável à distinção de seme e uke no yaoi, ou à distinção de butch e femme na cultura lésbica mais ampla.[25] Personagens no yuri contemporâneo raramente se conformam a essas dicotomias,[21] embora a dinâmica de um parceiro ativo e um passivo que a distinção de tachi e neko representa recorra no gênero.[25]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Ver também a categoria: Yuri

Referências

  1. Charlton, Sabdha. «Yuri Fandom on the Internet». Yuricon (em inglês). Consultado em 12 de janeiro de 2008. Cópia arquivada em 22 de setembro de 2017 
  2. Maser 2013, pp. 3–4.
  3. «Yurizoku no Heya». Barazoku (em japonês): 66–70. Novembro de 1976 
  4. a b c d e «What Is Yuri?» (em inglês). Yuricon. 28 de março de 2011. Consultado em 11 de janeiro de 2021. Cópia arquivada em 11 de novembro de 2020 
  5. Welker, James (2008). «Lilies of the Margin: Beautiful Boys and Queer Female Identities in Japan». In: Fran Martin; Peter Jackson; Audrey Yue. AsiaPacifQueer: Rethinking Genders and Sexualities (em inglês). Champaign, Illinois, EUA: University of Illinois Press. pp. 46–66. ISBN 978-0-252-07507-0 
  6. a b c Maser 2013, p. 16.
  7. a b Aoki, Deb (11 de março de 2008). «Interview: Erica Friedman». About.com (em inglês) 
  8. 這畫めん太美ふとみわが敢看!おんなおんなこい禁忌きんき日本にっぽんひゃくごうてんていげんおんな孩間てき真實しんじつあいこい [Esta tela é tão bonita que não consigo olhar! O amor entre mulheres não é tabu, a "Yuri-ten" no Japão mostra o amor verdadeiro entre garotas!] (em japonês). 8 de abril de 2019 
  9. Maser 2013, p. 17.
  10. Maser 2013, p. 16–17.
  11. Miyajima, Kagami (4 de abril de 2005). Shōjo-ai (em japonês). [S.l.]: Sakuhinsha. ISBN 4-86182-031-6 
  12. Maser 2013, p. 18.
  13. Maser 2013, pp. 2-3.
  14. Welker 2014, p. 154.
  15. Maser 2013, p. 67.
  16. a b Takashima 2014, p. 117–121.
  17. a b Friedman, Erica (27 de novembro de 2014). Traduzido por Shiina, Yukari. «Yuri: A Genre Without Borders». Seidosha. Eureka (Current State of Yuri Culture): 143–147. Consultado em 19 de janeiro de 2021. Cópia arquivada em 15 de janeiro de 2021 
  18. Maser 2013, p. 38.
  19. Maser 2013, pp. 73–75.
  20. Maser 2013, pp. 2–3.
  21. a b c Nagaike 2010.
  22. a b c Welker, James (2006). «Drawing Out Lesbians: Blurred Representations of Lesbian Desire in Shōjo Manga». Lesbian Voices: Canada and the World: Theory, Literature, Cinema. [S.l.]: Allied Publishers. pp. 156–184. ISBN 81-8424-075-9 
  23. a b Bauman, Nicki (23 de setembro de 2020). «How Bloom Into You Defies and Reinforces Yuri Tropes». Anime News Network. Consultado em 3 de janeiro de 2022 
  24. Chalmers, Sharon (12 de agosto de 2014). Emerging Lesbian Voices from Japan. [S.l.]: Routledge. pp. 27–29. ISBN 978-0700717026 
  25. a b Wellington, Sarah Thea Arruda (2015). Finding the power of the erotic in Japanese yuri manga (Tese). Library and Archives Canada. pp. 41–42 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]