Eudaimonia
Eudaimonia [1] ou eudemonia,[2][3] (do grego antigo:
As relações entre virtude de caráter (ethikē aretē) e felicidade (eudaimonia) constituem uma das principais questões da ética, entre os filósofos da Grécia Antiga, havendo muita controvérsia sobre o tema. Em consequência, há também diversas formas de eudemonismo. Dentre essas formas, duas das mais influentes são a de Aristóteles[9] e a dos estoicos. Aristóteles considera a virtude e o seu exercício como o mais importante constituinte da eudaimonia (
Para os inúmeros pensadores antigos que defendiam uma ética eudemonista, era evidente que o ideal descrito por esse termo era considerado alcançável, em princípio, apesar de ser o árduo caminho para a eudaimonia. Um ideal muito difundido associado a essa meta era a autossuficiência (autarquia, do grego
O conceito de eudaimonia de Aristóteles foi particularmente influente. Ele foi retomado no final da Idade Média e discutido intensamente. Nos tempos modernos, o antigo ideal tem sido fundamentalmente criticado desde o final do século XVIII. Immanuel Kant considerou-o fundamentalmente inadequado para definir o princípio mais elevado da moralidade. Kant cunhou o termo eudaimonismo para todas as doutrinas éticas nas quais a busca da felicidade - e não o dever - é considerada a razão decisiva para o comportamento moral. O julgamento de Kant teve uma influência forte e duradoura na recepção moderna de conceitos antigos. Entretanto, em discussões mais recentes sobre a filosofia da felicidade, tem havido uma reabilitação, pelo menos parcial, do pensamento antigo, com a abordagem aristotélica, em particular, encontrando ressonância.
Etimologia
editarA palavra é composta por "eu" ("bem") e "daimon" (divindade inferior, intermediária entre o divino e o humano). Trata-se de um dos conceitos centrais na ética e na filosofia política de Aristóteles, juntamente com areté (geralmente traduzido como 'virtude' ou 'excelência') e phronesis (frequentemente traduzido como 'prudência' ou 'sabedoria prática').[12] Na obra de Aristóteles, a palavra 'eudaimonia' foi usada (com base na tradição grega mais antiga) como equivalente ao supremo bem humano, sendo objetivo da filosofia prática definir o que é esse bem e como pode ser alcançado.
História do conceito
editarEntre os antigos gregos e latinos, a palavra, no uso comum, era considerado "feliz" aquele que, por sorte, possuía uma riqueza de bens materiais (em grego, ὄλβιος olbios: afortunado, próspero; em latim, felix) ou aquele que podia desfrutar de um estado de espírito que tornava sereno quem o experimentava (eudaimonia em grego; beatitudo em latim) ou, ainda, aqueles que realizavam seu Daimon, ou seja, seu destino. [13]
Pré-socráticos
editarOs poetas antigos e os tragediógrafos acreditavam que era impossível para o homem alcançar a felicidade. Essa concepção persistiu nos filósofos do século V a.C., que negligenciaram o tema da felicidade, tratando-o apenas incidentalmente.
Anaxágoras, a um homem que lhe perguntou quem era feliz, respondeu, exaltando o ideal de uma vida parcimoniosa: "Nenhum daqueles que você considera felizes, mas você o encontrará entre aqueles que considera infelizes."[14] Para Heráclito, mesmo que os homens obtivessem tudo o que desejassem, não seriam felizes.[15] Alberto Magno acrescentou: "Heráclito disse que, se a felicidade residisse nos prazeres do corpo, diríamos que os bois são felizes quando têm grão-de-bico para comer.”[16]
Sofistas e Sócrates
editarGórgias revela o segredo de sua longa vida serena ao afirmar que "nunca fiz nada para buscar o prazer".[17] Mas Isócrates ressalta que sua felicidade dependia do fato de que ele "...nunca se casou, não teve filhos e, portanto, estava isento dessa tarefa inútil e incessante."[18]
Para os sofistas, portanto, a felicidade, entendida como tranquilidade material, era a consequência de uma vida confortável dedicada egoisticamente a si mesmo.[19].
Em Sócrates, a eudemonia lembrava a presença do daimon do bem (
O mal, portanto, era praticado porque, por ignorância, era trocado pelo bem, que, no entanto, não podia ser estabelecido a priori de uma vez por todas, mas tinha de ser buscado incessantemente pelo confronto com os outros por meio do diálogo. [24]
Ver também
editarReferências
- ↑ Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: eudaimonía
- ↑ Dicionário Houaiss: 'eudemonia'
- ↑ Infopédia. «eudemonia | Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa». infopedia.pt - Porto Editora. Consultado em 15 de maio de 2023
- ↑ Daniel N. Robinson. (1999). Aristotle's Psychology. ISBN 0-9672066-0-X ISBN 978-0967206608
- ↑ Infopédia. «eudemonismo | Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa». infopedia.pt - Porto Editora. Consultado em 15 de maio de 2023
- ↑ Dicionário Houaiss: 'eudemonismo'
- ↑ Vocabolario Treccani: eudemonia (em italiano)
- ↑ Découvrir le français: eudémonie, eudémonisme (em francês)
- ↑ Verena von Pfetten (4 de setembro de 2008). «5 Things Happy People Do». Huffington Post.
Em seu tempo [de Aristóteles], os gregos acreditavam que cada criança, ao nascer, recebia um daemon pessoal que personificava a melhor expressão possível da natureza daquela criança. O daemon era comparado a uma estatueta de ouro que só seria revelada ao se quebrar a camada externa de cerâmica barata que a envolvia (o aspecto exterior da pessoa).
- ↑ Jacobs, J.A. (2012). Reason, Religion, and Natural Law: From Plato to Spinoza. [S.l.]: OUP USA. ISBN 9780199767175. LCCN 2012001316
- ↑ «Viver de acordo com a natureza – O objetivo estoico de vida»
- ↑ Rosalind Hursthouse (18 de julho de 2007). «Virtue Ethics». Stanford Encyclopedia of Philosophy
- ↑ Treccani: beatitude (em italiano)
- ↑ Valerius Maximus, Factorum et dictorum Memorabilium Libri Novem, VII, 2, ext.12 .
- ↑ John Stobeus, Florilegium, Teubner, Leipzig, 1855-1857, III, I, 176.
- ↑ Albertus Magnus, De vegetalibus libri VII, Reimer, Berlim, 1867, VI, 401.
- ↑ Ateneu. I deipnosofisti: dotti a banchetto, Salerno, Roma 2001 XII, 548 c-d.
- ↑ Isócrates, Antidoses, pp. 155-156.
- ↑ Nos Memoráveis de Xenofonte, Sócrates ataca o sofista Antifonte, censurando-o por [parecer] alguém que identifica a felicidade com concupiscência (τρυφή, transl. tryphé) e riqueza (I, 6, 10).
- ↑ Paolo De Bernardi, Socrate, il demone e il risveglio. In Sapienza, vol. 45, ed. Domenicana Italiana, Napoli, 1992, pp. 425-43.
- ↑ G. Vlastos. Socrate il filosofo dell'ironia complessa, Firenze, La Nuova Italia, 1998 (ed.original: Socrates: Ironist, and Moral Philosopher, 1991).
- ↑ Giovanni Reale. Socrates. Milão, Rizzoli, 2000.
- ↑ Platão, "Apologia di Socrate", em G. Cambiano (ed.), Dialoghi filosofici di Platone, U.T.E.T., Turim, 1970, pp. 66-68.
- ↑ Gabriele Giannantoni, The Philosophical Quest, pp. 87-91.